Jacques Ribemboim
Livro da Cepe fala da presença judaica em Pernambuco, iniciada nos primeiros anos de colonização do paÃs e que se prolonga aos dias atuais
A presença dos judeus em Pernambuco se entrelaça com a própria história do lugar. Há registros desta relação desde os primeiros anos do ciclo comercial do pau-brasil, no século XVI, até décadas recentes. Diante de um perÃodo tão largo, o desafio seria escrever uma obra que retratasse os mais de cinco séculos desta presença. O escritor, economista e membro da Academia Pernambucana de Letras (APL) Jacques Ribemboim encarou o desafio. Por mais de uma década, ele se dedicou ao trabalho, pesquisando em acervos nacionais e estrangeiros. O resultado é a História dos Judeus de Pernambuco, um livro da Cepe Editora, com lançamento marcado para o dia 5 de dezembro na APL, bairro das Graças, no Recife.
Em 608 páginas, a obra reproduz ilustrações, mapas, fotografias, selos e documentos de diversas épocas, e traz, principalmente, histórias de homens e mulheres que cruzaram o Atlântico em busca de uma vida nova. A maioria deles enfrentou o mar para fugir da perseguição religiosa na Europa. No Brasil, Pernambuco foi um dos destinos procurados, mas não o único. Ao se referir a Pernambuco, o autor enfatiza que este não se limita “a um território, muito menos ao do atual estado, mas a uma espécie de Pernambuco conceitual”.
De acordo com Ribemboim, o Pernambuco conceitual incluiria aspectos históricos, culturais, etnográficos “e que talvez pudesse ser geograficamente inserido em um Nordeste Setentrional”, compreendido de Alagoas ao Ceará, com trechos de Sergipe e do Maranhão.
O conceito do que venha a ser judeu também é amplo. “Não está relacionado a uma etnia especÃfica, até porque os judeus do Brasil provêm de grupos bastante diversos, embora no perÃodo colonial haja prevalecido o padrão sefardita, de origem hispano-portuguesa”, pontua. Ribemboim afirma ainda que por “judeus” deve-se entender os “judeus e cristãos-novos, incluindo alguns de seus descendentes”. Os cristãos-novos, por sua vez, são os judeus convertidos, à força ou por vontade própria, ao cristianismo.
Para contar a História dos Judeus de Pernambuco, o autor optou por estruturá-la em ciclos. Ao todo, seis. O primeiro é o Ciclo da madeira judaica (1502-1535), quando prevalece a exploração do pau-brasil. Depois vem o CriptojudaÃsmo olindense (1535-1630), perÃodo em que a prática religiosa se dava secretamente em virtude das perseguições, o JudaÃsmo holandês (1630 e 1654), com a vinda de sefarditas holandeses, o Hiato do JudaÃsmo (1654-1910), no qual o exercÃcio comunitário da religião se restringiu a núcleos paraibanos, o JudaÃsmo contemporâneo (1910-2000), marcado pela chegada dos imigrantes da Europa Oriental. Por fim, desde 2000, as Novas Tendências (desde 2000), com o judaÃsmo reformista, a presença das mulheres na liturgia religiosa e o fortalecimento do marranismo.
Ao analisar a cronologia, Ribemboim fala em dois apogeus da presença judaica em Pernambuco. O primeiro ocorreu durante o JudaÃsmo holandês e o segundo no JudaÃsmo contemporâneo. Quanto ao primeiro, o autor relata que a expulsão dos holandeses, em 1854, levou os judeus e cristãos-novos que decidiram permanecer no Brasil a se embrenhar pouco a pouco no interior nordestino. Para sobreviver, montaram pequenos negócios, criaram gado e procuraram se manter distante da Inquisição. “É desses cristãos-novos que descendem numerosas famÃlias tradicionais pernambucanas, paraibanas, alagoanas, potiguares, sergipanas, cearenses, piauienses, gente espalhada por todo o Nordeste”, conclui.
Ainda sobre as heranças advindas dos judeus, o autor ressalta que os primeiros israelitas a desembarcarem em Pernambuco, procedentes da PenÃnsula Ibérica, “eram morenos claros, bem diferentes do estereótipo agalegado que muitas vezes lhes é atribuÃdo no Brasil de hoje, em resposta a uma imigração mais recente, de asquenazes leste-europeus, vindos de regiões onde subgrupos semitas de fato se apresentam louros ou de olhos azuis, em decorrência da miscigenação com povos locais”.
Para chegar à estrutura final do livro, Ribemboim fez uma pesquisa pormenorizada sobre o assunto. Foram quase 220 livros, capÃtulos de livros, artigos cientÃficos, artigos e entrevistas publicados em jornais e revistas, além de cerca de 200 fotografias e reproduções de mapas, quadros, gravuras, selos, páginas de livros e documentos. Outro dado que indica a extensão da obra é o Ãndice onomástico, que tem quase 1.600 nomes de pessoas, famÃlias e autores catalogados. A tÃtulo de curiosidade, Branca Dias e MaurÃcio de Nassau são os personagens mais citados na obra. Ela, 41 vezes. Ele, 33.
TRECHOS DO LIVRO
“Em um ambiente relativamente amistoso, com o donatário empenhado em povoar sua capitania, a população cristã-nova aumentaria rapidamente e Olinda passa a abrigar a primeira comunidade judaica das Américas. Todavia, sob a vigilância da Inquisição, os cristãos-novos haveriam de praticar o judaÃsmo de forma discreta ou oculta. É o perÃodo de criptojudaÃsmo olindense,entre 1535 e 1630, encerrado com a invasão holandesa.” (p.13)
“Na fuga de 1492, ou mesmo antes, os judeus procuram Portugal. Na verdade, o paÃs fora abrigo para os israelitas durante séculos e possuÃa comunidades e sinagogas espalhadas em dezenas de vilas e cidades. Em princÃpio, os imigrantes eram bem recebidos. O rei e a aristocracia se animavam com a chegada das famÃlias, trazendo conhecimentos e capacidade empreendedora. Alguns dos profissionais que chegavam a Portugal ingressariam no setor náutico, calhando com os planos de expansão comercial do paÃs.” (p.51)
“Nunca é de menos lembrar que por mais de 50 anos as atividades comunitárias israelitas estiveram sempre concentradas no “triângulo” da Boa Vista, cujos vértices eram o clube, o colégio e a sinagoga. Foi nesse bairro em que a comunidade judaica do Recife atingiu seu apogeu do século XX.” (p.462)
“No Nordeste brasileiro, um movimento de retorno à s raÃzes mosaicas ganha força, semelhante ao caso português. Iniciado nos anos 1980 e chamado genericamente de “marranismo”, é da mais alta importância para uma visão prospectiva do judaÃsmo na região. O termo “marrano” foi adotando com pujança, muito distante da conotação pejorativa que possuÃa na Espanha inquisitorial. De certa forma, a autodefinição como marrano constitui um emblema de resistência religiosa, cultural e histórica. Mais recentemente, os judeus marranos também passaram a ser conhecidos como bnei anussim, que pode ser traduzido como “filhos dos convertidos forçados”. (p.548)
ENTREVISTA
Pergunta - O que o levou a escrever o livro? Faltava uma obra que desse a dimensão ampla da presença dos judeus em Pernambuco?
Jacques Ribemboim - Este livro tem a influência direta do meu pai, José Alexandre Ribemboim, que desde os anos 80 pesquisava sobre a presença judaica no perÃodo holandês. Em 1995, ele lançou “Senhores de Engenho Judeus em Pernambuco Colonial - 1542 a 1654”, um trabalho que levou mais de dez anos para se materializar na forma de um livro. Ele anotava tudo à mão, usando lápis, caneta e um fichário. Depois, recorria à sua velha Remington para datilografar as folhas, mas não avançava com a celeridade desejada, incorrendo em paradas que levavam meses. Decidi, então, ajudá-lo, digitando tudo no computador, facilitando o trabalho. Passávamos horas juntos, ele ditando, eu digitando. DebatÃamos os assuntos, cotejávamos cada parágrafo procurando a melhor redação. Foi assim que pude compreender a grande dimensão da herança judaica no Nordeste. O livro foi um sucesso de vendas, com diversas edições logo esgotadas. Depois disso, escrevemos juntos “Uma Olinda Judaica” e “Synagoga Israelita do Recife: de portas abertas”. Foi quando propus a ideia de escrever um livro que reunisse todos os distintos ciclos dos judeus em Pernambuco. Meu pai faleceu em 2013 e não pôde empreender o projeto junto comigo, mas sua orientação foi determinante. Se não fosse ele, este livro simplesmente não existiria.
Pergunta - Diante do que pesquisou, o que você aponta como as principais contribuições dos judeus para Pernambuco?
Jacques Ribemboim - As pessoas à s vezes me colocam essa pergunta. Mas eu prefiro enxergar as contribuições como um fluxo interativo mútuo ao longo dos séculos, com os judeus legando práticas e valores tÃpicos de sua origem ibero-semita ou, mais recentemente, leste-europeia, e, ao mesmo tempo, absorvendo uma volumosa influência de práticas e valores dos portugueses, da população negra e dos indÃgenas, além, é claro, da própria paisagem natural nordestina. E existem ainda as interações recentes com imigrantes de tantos paÃses. No meu entender, é nisso onde reside a riqueza maior do povo nordestino, nesta sua originalidade universal e tão positiva, nesta mistura que nos torna únicos entre as nações do planeta. Meu propósito maior, no livro, é demonstrar isso ao grande público.
CONTATO PARA ENTREVISTA
Jacques Ribemboim: (81) 98875-6550
SERVIÇO
Lançamento do livro História dos Judeus de Pernambuco, de Jacques Ribemboim (Cepe Editora)
Quando: 05.12.2023
Horário: 19h
Onde: Academia Pernambucana de Letras (APL), Avenida Rui Barbosa, 1596, Graças, Recife
Preço: R$ 90 (preço promocional de lançamento), R$ 110 (preço pós-lançamento)