O dono da bola
Quantas vezes nós paramos para observar as coisas e as
pessoas que estão bem na nossa frente e aprendemos com eles ou com elas?
Ultimamente, com a correria, com os “ataques” do dia a dia,
com as redes sociais somos levados a não pensar. E perdemos com isso
oportunidades magníficas de observar a humanidade, e aprender lições
maravilhosas com pequenas coisas.
Numa sexta feira dessas, segui para uma escola de um bairro próximo, à tarde, para esperar minha esposa, que em pleno feriado local, estava em um
curso promovido pela rede estadual. Enquanto a esperava, dentro
dos muros do colégio que ela leciona, fui levado á observar uns meninos estavam batendo uma bolinha na quadra.
De imediato fui levado à observá-los não pelas jogadas e
passes magníficos de bola, e sim, por conta dos altos gritos de um dos
meninos. Todos eles, tinham por volta de 09 à 10, no máximo 12 anos. E naquele
momento a bola era o motivo maior de suas alegrias, bem como das gritarias.
Um rapazinho, portando em torno de 10 ou 12 anos, corria de
um canto à outro, “cheio de marra” gritando sempre: "passa pra mim, passa pra mim"... e soltava
sonoros palavrões. Vez ou outra, quando a bola não chegava à seus pés, quem
levava a culpa era a mãe dos meninos que “não sabiam tocar”.
Eram quatro meninos, e três deles, tudo faziam para “agradar”
ao que mais gritava, xingava e detratava as mães deles.
Um dos meninos conseguia, à seu modo, destacar-se dos
demais. De imediato eu o apelidei, mentalmente de “ligeirinho”. Muito ágil, e
com passes de bolas inteligentes, ele marcava em torno de dois ou três gols à
frente dos demais. Isso incomodava o xingador.
Um deles pediu ao rapazinho, que vou chamar aqui de
Xingador, para parar de falar mau deles e das mães deles, e principalmente que
respeitasse as partes baixas da mãe dele. Isso os estava incomodando.
O Xingador olha para o moreninho e mais gordinho e dispara
um vai tomar no c... tão alto e tão forte que o moreninho não teve outra,
soltou-lhe uma porrada nas costas. Este por sua vez partiu pra cima
do moreninho gordinho e começou com golpe atrás do outro, todos eles voadores,
nenhum deles sequer chegou à tocar o moreninho. No popular, ele estava “apanhando
como mala veia”. O Ligeirinho, resolve entrar na briga para ajudar o Xingador.
E no momento que ele tentou afastar o Xingador e o Moreninho, levou uma
porrada em cheio, na cara, com um golpe certeiro do Xingador.
- Caramba, eu tentei te ajudar, te tirando das porradas e tu
vem bater em mim? Agora vai pra porrada, seu safado, disse o Ligeirinho para o
Xingador.
E pegou-lhe no pescoço, e só não lhe enforcou com toda a
força de um corpinho magro, porque de longe, quando me viram, acreditando que
eu fosse algum tipo de zelador, vigilante, ou coisa parecida, eles se
separaram.
Daí a instantes, como se nada tivesse acontecido, eles
retornaram à “pelada” e, dois de um lado, dois de outro, cada um foram em busca
de novas oportunidades para novos gols.
Mais uma vez, os palavrões voltaram à acontecer, e as mães
dos meninos voltaram à ter as partes intimas citadas pelo mesmo Xingador.
Não ousarei tratar como eles, da forma que as mães dos
meninos foram chamados. Mas acredito que o leitor destas minhas linhas já fazem
ideia do que rolou na quadra daquela escola.
Com alguns poucos minutos outro rapazinho, com mais ou menos
16 à 17 anos, entrou no jogo. A mãe deste também estava no “chovalhar” de
palavrões.
Em determinado instante, parei para pensar por que os meninos
suportavam tantos palavrões assim e ainda continuavam à jogar bola com o
Xingador.
- Ele é o dono da bola, né? Perguntei ao mais velho.
E ele disse calmamente que sim.
Como sempre aprendemos com situações e com pessoas, pude
observar que na vida como um todo é exatamente assim que as coisas acontecem.
Muitos permitem-se à humilhações, xingamentos e vêem seus familiares e pessoas
mais íntimas serem humilhadas por que não dispomos de coragem o suficiente para
parar com o jogo ou quem sabe, enfrentar o dono da bola. Em alguns instantes,
dependendo da situação é mais inteligente lutar um pouco mais e comprar uma
bola nova para não ter que se sujeitar “aos donos” da bola de plantão.
Assim somos todos nós, quando aceitamos cegamente o que nos impõem
na vida, e ainda esperam-nos uma obediência cega, acreditando que simplesmente
assim, a vida corre feliz.
Será que tudo na vida tem que seguir assim?