A história de Carinholância, parte I

Carinholância é uma pequena cidade de interior, rodeada de morros, praticamente afundada, pertinho de rios que estão perdendo a antiga graça.

De uns tempos para cá, uns coronéis, não querendo perder suas posições de antigos mandões traçaram um plano, no clâ. Para eles, era imporante pegar todos os investimentos que tinham, do pouco que lhes estava faltando, diante da falência esculhambada, que dois irmãos loucos passaram à gastar, quando atingiram maior idade. Um deles, louco de pedra tem a insanidade estampada na cara, mas à força da medicina consegue manter o belo sorriso de coringa.

Com suas fazendas sendo vendidas e repartidas, e suas terras quase jogadas à vento, por altos débitos e polpudas contas não pagas, além de um passado todo negro de desaparecimentos estranhos, eles pegaram suas ultimas economias e vendo que uma viúva tinha muito o que lhes oferecer, estava solitária, quedada. Para tanto, resolveram um casamento, ainda que provisório com aquela que seria conhecida como a galinha dos ovos de ouro. Neste caso, a viúva.

Como na cidade, muitos ainda não aprenderam ou não aceitaram ler o que a vida lhes quer ensinar, os antigos coronéis, entenderam aí que aquele povo escravo poderia ser ludibriado com uma falsa promessa de liberdade. Uma liberdade presa às amarras do passado.

Traçaram um esquema, montaram rotas, e prometeram uma estrada nova numa operação praticamente salvadora. Com isso, o povo incauto manter-se-ia calado, e eles, por sua vez, passariam com suas carroças por cima do trabalho alheio.

Assim feito, eles conseguiram tirar a sorte grande, com investimentos mínimos e empréstimos altos. Aquela viúva tinha de fato tudo para lhes salvar a vida.

Casamento feito, faltava apenas a aliança para selar o acordo, sem o conhecimento do povo. Dentro das caixinhas de segredos, estava a solução. Enviaram uma carta para o patrono do estado, e este, cedendo aos caprichos daqueles supostos fidalgos, lhes autorizou uma cota de 2 por 9. Uma conta em que, na somatória sempre dariam números pares, nunca ímpares.

No dia azado, o povo nada sabendo pensando estar casando um santo, estava à bem da verdade da história, casando a viúva com o seu pior carrasco. Ele, todo bem vestido. Ela, que receberia uma poupuda herança pelos próximos dias, por conta das deformações em sua vila, já que a natureza quando quer mandar recado, ela mesma é que faz e não manda recado, eles, sabendo disso, apossaram-se da viúva, da herança e pouco à pouco, foram lapidando os bens daquela que antes era vestida de gloria.

Compraram um caixão e desfilaram pelas ruas da cidade gritando horrores á seu antigo esposo, senhor de engenho que antes lhes emprestou boas somas em dinheiro, quando estes estavam na rua da amargura.

Amargurado ele, por sua vez, precipitadamente, suicida-se diante da vergonha, já que os seus, aqueles que ele pensava estar ajudando, humilharam-no em praça pública, covardemente.

O tempo foi passando, e tudo aos poucos foi tornando-se um mar de flores petrificadas. As flores plantadas nos antigos jardins da viúva, nos dias de hoje são pálidas, e empoeiradas com pedras.

A maldade por sua vez, inseridas nos corações destes antigos senhores, foi pouco à pouco instalando-se nos corações daqueles que tinham pendores para tal. E como nada acontece sem ter um motivo, um porquê, até os líderes religiosos daquele local que esperavam para serem tocados com o incenso da maldade, com a liderança deles, foram mostrando suas verdadeiras faces.

No entanto, em meio à cegueira de um povo, alguns moradores daquela pequena cidade, foram pouco à pouco acordando de seus pesadelos. Entenderam estes que as pedras também podem ser quebradas.

Estes por sua vez, passaram à ser perseguidos, em nome de uma rainha enlouquecida pelo poder.

O perigo então começou à rondar nos vilarejos e arredores. Os moradores não podiam mais falar, cantar, nem sequer pensar. Se os donos da nova cidade, chamada carinholandia permitissem, tudo bem, caso não, o caminho certo seria a forca, que recentemente fora implantada na principal pracinha da cidade.

Carinnholândia fora tomada pelo medo. Os moradores já não podia mais confiar em mais ninguém. Perseguições passaram á existir em todos os horários. Os servidores daquela fazenda nova, entravam calados e saiam mudos para não perderem o direito de comer ao final do dia.

Triste fim para uma cidade antes tão linda, rodeada de morros e cortada por rios, que hoje, quase não existe mais.

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