Teve início na manhã desta quarta-feira (5) o segundo dia do júri de cinco indígenas Guarani Kaiowá acusados de dois homicídios e da tentativa de um terceiro. A sessão ocorre na sede do Tribunal Regional Federal da 3ª região (TRF-3) e para hoje está previsto o depoimento de um dos policiais apontado pela acusação como vítima, além da oitiva com as testemunhas de defesa dos indígenas. O júri está programado para terminar na sexta-feira (7).
Para hoje está previsto o depoimento de um dos policiais apontado pela acusação como vítima, além da oitiva das testemunhas de defesa |
As testemunhas de acusação afirmaram que existe um conflito fundiário na região há muitos anos, inclusive envolvendo a Fazenda Campo Belo, incidente sobre o tekoha – lugar onde se é – Passo Piraju, onde em 1o de abril de 2006, segundo os Guarani Kaiowá e as notícias da época, policiais à paisana invadiram a aldeia Passo Piraju, entre os municípios de Dourados e Laguna Carapã, região de Porto Kambira (MS).
Os homens, no correr dos fatos ainda não identificados, chegaram em carros descaracterizados e atirando. Os Guarani Kaiowá se defenderam e um confronto foi estabelecido. Os indígenas alegam legítima defesa, mas afirmam que os policiais se confundiram e atiraram neles mesmo. Uma das vítimas, conforme a acusação aos indígenas, é o policial Emerson José Gadani, 46, que sofreu golpes de facas.
Conforme disse ao júri o delegado Oduvaldo de Oliveira Pompeu, uma das testemunhas de acusação arroladas, naquela região do Mato Grosso do Sul é comum a contratação de segurança privada, por parte dos fazendeiros, para a defesa de suas propriedades dos indígenas que reivindicam as áreas. Falou ainda, sem citar o nome, de uma empresa que chegou a ser fechada pela Justiça por envolvimento nesse tipo de conflito.
Presume-se que o delegado fez referência à Gaspem Segurança, empresa fundada pelo ex-policial Aurelino Arce e fechada em 2014 por decisão judicial. Conforme as investigações da 1ª Vara Federal de Dourados, trazidas a público pela Repórter Brasil, a empresa cobrava até R$ 30 mil por despejo de comunidades indígenas. Os pistoleiros prestavam esses serviços ilegais em pelo menos cinco municípios da região.
O inquérito aponta assassinatos de lideranças, despejos violentos e a proibição de que medicamentos e alimentos fossem distribuídos. Ainda revela que muitos policiais, na ativa ou já aposentados, faziam bicos ou realizavam trabalhos na empresa fundada ela mesma por um ex-policial.
Os indígenas julgados
Os indígenas julgados em São Paulo pelo júri comandado pela Justiça Federal são o cacique Carlito de Oliveira, Ezequiel Valensuela, Jair Aquino Fernandes, Lindomar Brites de Oliveira (filho de Carlito) e Paulino Lopes.
Cacique Carlito é uma destacada liderança do povo na luta pela terra. Ele e os outros quatro Guarani Kaiowá foram presos em 2006 e assim permaneceram até 2012. Primeiro foram detidos na carceragem do Departamento de Operação de Fronteira (DOF), depois foram transferidos para a Penitenciária Estadual Harry Amorim Costa, em Dourados.
Como os indígenas têm o direito ao cumprimento das penas em semiliberdade, na estrutura da Funai perto da aldeia, conforme o Estatuto do Índio, artigo 56, e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), nos artigos 9 e 10, em fevereiro de 2009 o grupo passou a cumprir a pena em Passo Piraju na estrutura erguida pelo órgão indigenista.
No período dos fatos, Passo Piraju sofreu diversos atentados e ataques. Viviam em permanente vigília e ameaçados. Como a aldeia fica às margens do rio Dourados, até por barcos homens armados faziam disparos contra a comunidade. Depois do conflito que levou à morte os dois policiais, Carlito e os demais denunciaram torturas sofridas nos presídios por onde passaram.
O processo
O processo corria em Dourados, mas a defesa dos indígenas conseguiu o deslocamento de competência para São Paulo. A Justiça entendeu que no Mato Grosso do Sul existe dúvida sobre a imparcialidade no tratamento da ação judicial. Ao chegar em São Paulo, foi desmembrado em dois para julgamento: os réus detidos, que estão sendo julgados esta semana, e os em liberdade, sem data para irem a júri.
No caso dos réus em liberdade, com relação ao processo iniciado em 2006, restaram apenas dois; havia quatro: um deles morreu e outro, um indígena Ofaié, foi impronunciado, ou seja, as acusações contra ele foram consideradas improcedentes.
A defesa dos Guarani Kaiowá é feita pela assessoria jurídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e por procuradores da Advocacia-Geral da União (AGU) com atuação na Fundação Nacional do Índio (Funai).
Nota da Aty Guasu A Aty Guasu, Grande Assembleia Guarani Kaiowá, principal organização política e social do povo, a Aty Jovem (RAJ) e a Kunãngue Aty Guasu (das mulheres Guarani Kaiowá) emitiram uma nota pública acerca do júri “não indígena” de cinco indígenas Guarani Kaiowá acusados de dois homicídios e da tentativa de um terceiro. A sessão ocorre na sede do Tribunal Regional Federal da 3a região (TRF-3) desde ontem e está previsto para terminar na sexta-feira (7).
Na manifestação, as organizações do povo com o tekoha – lugar onde se é – Passo Piraju afirmam que o grupo armado que atacou a aldeia em 1o de abril de 2006, gerando o conflito a partir da legítima defesa da comunidade, foi contratado para expulsar os indígenas da área.
Foto por Ruy Sposati/Cimi