Livro da Cepe resgata trajetória do pintor pernambucano Ismael Caldas

Livro mostra a “beleza insólita” da pintura de Ismael Caldas

Obra sobre o artista plástico pernambucano será lançada pela Cepe Editora, em parceria com Instituto Raul Córdula, no dia 17 de agosto (Ismael Caldas- Capa)

Os quadros de Ismael Caldas (1944-2016) falam “por si próprios”, definiu o ceramista, pintor e escultor Francisco Brennand (1927-2019) ao discorrer sobre o trabalho do artista plástico. A definição de Brennand está em uma de suas cartas para Ismael, a quem considerava o maior pintor pernambucano. Escrita em abril de 2003, a correspondência integra o livro de arte Ismael Caldas, a ser lançado pela Cepe Editora, em coedição com o Instituto Raul Córdula, na próxima quinta-feira, 17 de agosto, às 19h, no Museu do Estado de Pernambuco (MEPE), situado nas Graças, bairro da Zona Norte do Recife. No lançamento, Córdula, José Antonio (Totonho) Sales de Melo e Joana D’Arc Lima, que assinam textos no livro, participam de bate-papo sobre a obra, com mediação da jornalista Olívia Mindêlo.


Organizador do título, o crítico de arte Raul Córdula, já na primeira linha do texto de abertura, crava uma das razões dos quadros de Ismael falarem “por si próprios”. Segundo ele, “a pintura de Ismael Caldas é uma expressão do insólito, isto é, do incomum, do infrequente, do anormal, pois ela trata da procura pelo outro lado da beleza”.


Com 240 páginas e edição bilíngue (português e inglês), o livro traz 159 fotografias de quadros assinados por Ismael Caldas, artigos sobre a sua obra e textos escritos pelo próprio artista plástico. Nascido em Garanhuns, em 1944, e com carreira projetada no Recife, Ismael Caldas, segundo Raul Córdula, retratou de modo particular a época em que viveu, levando para as telas temas do cotidiano e personagens da política nacional. Ao optar por esse caminho, o artista criou imagens disformes de generais, em alusão à ditadura civil-militar (1964-1985), de políticos corruptos, de figuras femininas, de bonecos e anões, por exemplo.

(Ismael Caldas - Sem título - 1972)


Mas a disformidade, conforme Córdula, “não se trata de feiura do ponto de vista corriqueiro, mas da realidade escondida na visibilidade da figura que se apresenta despida de engodos ou adornos ou, quando isto acontece, acontece como um gesto de ironia, de crítica sarcástica.” O organizador acrescenta que, na verdade, Ismael procura uma beleza rara escondida sob uma pintura tecnicamente pura e com ânsias de perfeição. “Jamais seria uma ode ao feio, qualidade – ou defeito – que se desfaz na sua fatura pictórica”, completa.


O livro revela a produção de Ismael para além do sarcástico e irônico. Os quadros com cenas de shows de jazz exemplificam isso. “São uma homenagem aos músicos e à música de que ele sempre gostou, criando uma atmosfera de rara habilidade cromática e pictórica. Com esta série, ele realizou uma de suas mais brilhantes exposições”, pontua o organizador. Ao todo, Ismael participou de 33 mostras, salões e bienais, de 1966 a 2010. A lista dos eventos está no livro, organizada com base nos registros deixados por Ismael. A publicação também possui um levantamento dos quadros apresentados pelo artista em exposições e a relação de artigos de jornais sobre a obra do artista.

(Ismael Caldas - Testemunha ocular - 2009)


Artista excepcional, Ismael tem o trabalho muito reconhecido no Recife e o livro é o melhor veículo para preservar a memória de um artista como ele”, disse Córdula. Na obra, o organizador reúne artigos seus, do engenheiro e amigo de Ismael, José Antonio (Totonho) Sales de Melo, da curadora Joana D’Arc Lima e de Ismael Caldas, que faz breve análise da pintura de Francisco Brennand. Junto ao texto de Ismael sobre Brennand vêm os facsimiles de duas correspondências do ceramista para o amigo. Numa delas é que Brennand lembra a Ismael que “seus quadros falam por si próprios” e, por fim, sentencia: “Você tem razão: as pessoas gritam demais e dizem pouco”.


Ismael Caldas preferia a pintura à fala, o que não o impedia de ser um contestador, principalmente nos anos de chumbo. Essa característica fica evidente em uma das suas poucas entrevistas, concedida em 1981, quando questionado pelo Suplemento de Artes Plásticas (São Paulo) sobre a finalidade da arte para ele: “A pintura não é uma atividade verbal”.