PRECISAMOS FALAR SOBRE O RACISMO NAS ORGANIZAÇÕES DA ESQUERDA BRASILEIRA.


Já se foi o tempo em que tratávamos os casos de racismo como a manifestação verbal da discriminação que busca ofender ou depreciar a imagem de uma pessoa negra, indígena ou pertencente a alguma minoria etnica politicamente sub-representada.

O racismo no Brasil é muito sutil e cotidianamente é utilizado para determinar os lugares e não lugares dos negros e negras em nossa sociedade.

Durante muito tempo, militei em organizações de juventude e pude observar e absorver (em muitos, muitos casos sofrer) com o racismo praticado por militantes brancos que fizeram uso desta pratica odiosa para a manutenção dos seus privilégios.

Mas o que seriam estes privilegios defendidos a custa de tamanho rebaixamento:

Muitos de nós e as organizações de juventude que construíamos e que muitos ainda constroem são herdeiras de uma rica tradição libertaria que tem seus momentos mais potente na tomada de Paris pelo levante de trabalhadores e trabalhadoras em março de 1871, na vitoria dos bolcheviques na Russia em outubro (fevereiro) de 1917 assim como a libertação de Cuba em janeiro de 1959.

A frase "Fora do poder tudo é ilusão", dita pelo dirigente bolchevique Vladimir Lenin a mais de um século vem norteando os processo de organização, formação e mobilização de centenas de milhares de jovens no Brasil e em outras partes do mundo que se engajam na luta pela instauração do estado operário, representante dos interesses mais estratégicos da classe trabalhadora.

Para isso nos organizarmos para disputar os mais diferentes espaços de representação existentes em nossa sociedade. O movimento estudantil e a disputa pela direção e rumos da sua entidade mais representativa e potente, a UNE, tem sido elencada como uma das tarefas mais importantes a serem desempenhadas pelos nossos jovens.

A Universidade foi instituida com um proposito "claro" de formar gerações de dirigentes do Estado brasileiro. Uma elite economica e intelectual comprometida com os interesses dos ricos e poderosos.

Ainda que ao longo do século ela tenham se aberto para pensamentos mais liberais, seu corpo docente e discente ainda era composto por integrantes das castas superiores e intermediarias. Mesmo com a instauração da I Republica e seus ideais positivistas esse cenário não se alterou.

Durante décadas a realidade dos estudantes universitarios brasileiros era refletida nas sua representações. Jovens brancos, todos homens e muito bem nascidos. Viviamos o melhor momento da produção epistemiologica, os interpretes do Brasil, identificavam e caracterizam a nossa sociedade como uma potencia mundial haja visto, que guerras e pertubações sociais de diferentes ordens aqui inexistiam porque gozamos do privilegio de sermos uma democracia racial. Segundo muitos deles teriamos vencido a chaga do racismo.

É interessante observar que mesmo que os negros e negras nao tomassem parte nos assentos universitarios, a não presença negra, pouco ou nada incomodava essa geração de jovens entusiastas do país do futuro.

O tempo foi passando, um potente processo de emancipação de consciencias e muita resistencia ora pacifica ora não, permitiu que uma parcela ainda que residual de jovens negros pudesse acessar os bancos universitarios e lá de dentro em articulação com as organizações do movimento negro que de fora travavam uma importante luta pela denuncia do racismo institucional permitiu que setores importantes da nossa esquerda incorporasse nas suas agendas a pauta pela democratização das Universidades.

As cotas raciais e outras diferentes estrategias que permitisse uma maior abertura e acesso dos negros e negras no ensino superior foi perseguido de forma intransigente por diferentes gerações de militantes (verdadeiros intelectuais orgânicos) negros e negras na luta por um Brasil que pudesse reparar os crimes da escravidão e o racismo cínico do Estado.

Mas o racismo assim como o capitalismo se transmuta e se readéqua de forma a seguir descriminando e oprimindo.

Neste ponto, voltamos a parte em que questiono os privilégios defendidos sorrateiramente por jovens brancos militantes de esquerda na busca pela manutenção dos seus lugares assegurados desde o Brasil colônia.

A compreensão de que as cotas raciais desnaturalizou o acesso universal dos jovens brancos as vagas universitarias e rompeu com a reserva de vagas de 100% destinada aos filhos das castas superiores e aos filhos dos setores medios, fez com que estes jovens "esclarecidos" não rompessem com as permanencias do racismo que no Brasil tem origem na escravidao de povos indigenas e africanos e foi promotor da divisao da nossa sociedade entre aqueles que servem e aqueles que são servidos.

Assim como a Universidade mudou e vem mudando é de se esperar que a representacao dos estudantes na sua principal entidade também se altere. Cada vez mais negros e negras vem assumindo posições de destaque nas direções de centro acadêmicos (CA), diretórios centrais (DCE) , e da própria UNE.

Foram necessários 79 anos para que uma jovem estudante negra, oriunda da periferia pudesse chegar ao lugar mais alto da escala hierárquica da principal entidade do movimento estudantil brasileiro e da principal organização de juventude do país.

Somente dois negros assumiram esta posição. O primeiro presidente foi um jovem baiano que a sua época fez historia e muito nos representa até os dias atuais.

"É na prática que o homem tem que demonstrar a verdade” esta frase dita por Karl Marx diz muito sobre o quanto a pratica não tem sido associada ao discurso apresentado por setores dirigentes da juventude branca e de esquerda. Toda vez que se constitui processos de transição que visam desenvolver lideranças não brancas para a ocupação de espaços dirigentes a reação destes setores (que se compreendem prejudicados por perderem  a prerrogativa de assumirem estes espaços pelo simples fato de terem nascidos brancos) é sempre brutal.

Desconstrução de trajetórias, falseamento da realidade, dissimulação, cinismo e mesmo a adoção de praticas racistas concretas (a historia do movimento operário já nos mostrou o quanto praticas como essas são nocivas, traem projetos históricos e visam somente a garantia dos privilégios de setores burocratas não compromissados com a emancipação coletiva) são utilizadas por estes setores para continuar determinando os lugares e não lugares da juventude negra no interior do movimento estudantil.

Se dizem socialistas (logo antirracistas) mas só coordenam processos de sucessão onde o novo militante, potencial dirigente seja um igual, alguém semelhante, branco(a), oriundo da classe média e defensor dos mesmo valores (quando muito não artificializam algum negro/a que garanta a legitimidade das suas praticas opressoras) que sempre marcaram a trajetória de uma juventude de esquerda hipócrita que luta com unhas e dentes para se manterem a frente das direções das entidades de representação de juventude.

Eles querem nos vencer pelo cansaço, são tão arrogantes que se esquecem que resistimos nestas terras desde o dia em que o primeiro navio negreiro aqui chegou.

Não podendo nos derrotar na política (e nós temos muita política) promovem campanhas difamatórias. A onda agora é nos chamarem de pós modernos porque trazemos pro centro da luta de classes a interseccionalidade como elemento aglutinador na construção de uma nova maioria.

Não almejamos que a revolução seja feita para o povo, nosso objetivo é que a revolução seja feita pelo povo e isso fere os costumes e tradições de uma esquerda privilegiada que em pleno século XXI ainda acredita que somente uma vanguarda iluminada composta de brancos, filhos da pequena burguesia possa conduzir os processos de transformação a muito demandados pelos trabalhadores.

São estes que flertam com o atraso para se manterem onde sempre estiveram.

Sim, estamos estamos falando dos jovens brancos/as de esquerda que ocupam ruas, prédios, universidades, bradam pelo socialismo mas quando chegam em casa não abrem mão do leite morno esquentada pela empregada negra que ainda dorme no quartinho (dependência) em separado no apartamento chique dos bairros nobres das grandes cidades.

Nem todo camarada é um amigo.

Então se você companheiro ou companheira se diz lutar contra o racismo e pela emancipação dos povos, ceda a vez.

Será que o apego a seus privilégios te permitiria um gesto como esse?!


Texto de Bob Controversista, Coordenador do Instituto Ganga Zumba e do  CEN em São Paulo