Arcebispo de Recife, apoia a reforma politica, projeto de lei e a campanha pelo Plebiscito.
CARTA EM
VISTA DAS ELEIÇÕES 2014
“Já lhe foi explicado o que é
bom e o que Deus exige de você: é apenas que pratique a justiça e o direito,
amar a misericórdia e, com simplicidade, caminhar com Deus” (profeta Miquéias
6, 8).
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Dom Antonio Fernando Saburido. |
Queridos irmãos e irmãs da nossa
arquidiocese,
concluída a Copa do Mundo começa agora, com
maior intensidade,a campanha eleitoral em preparação às eleições de outubro.
Como pastor dessa Igreja que nós juntos constituímos, me sinto no dever de
partilhar com vocês algumas preocupaçõese propor critérios para a nossa
participação como cidadãos/ãs e como cristãos/ãs, nesse importante momento do
país.
Há cristãos que ainda pensam que
a fé possa ser desligada da realidade concreta. Se nos desinteressamos pelo processo
político, corremos o risco de deixar a Política nas mãos dos que não buscam o
interessecomum. Como afirmou o papa Francisco: “Apesar de se notar uma maior
participação de muitos (cristãos) nos ministérios laicais, esse compromisso (de
fé) não se reflete ainda suficientemente na penetração dos valores cristãos no
mundo social, político e econômico. Limita-se muitas vezes às tarefas no seio
da Igreja, sem um empenho real pela aplicação do Evangelho na transformação da
sociedade” (EvangeliiGaudium, n. 102).
Graças a Deus, no caminho ao qual
o papa Francisco nos chama, a nossa arquidiocese tem uma longa e bela caminhada
que devemos honrar e aprofundar cada vez mais. Desde que, há 50 anos, Dom
Helder Câmara chegou como pastor de nossa Igreja arquidiocesana, cada vez é
maior o número de cristãos que descobrem que nossa vocação batismal nos chama a
ser testemunhas do reino de Deus nesse mundo, pelo esforço de transformá-lo. Já
nos anos 60, o papa Paulo VI ensinava que a nossa caridade deve ter uma
dimensão política. Concretamente, ela se expressa no cuidado com a coisa
pública e em uma educação crítica que nos ajude a compreender melhor a
realidade e a discernir nela o que Deus pede de nós como cidadãos e como
discípulos de Jesus.
Desde a 2a Conferência do Episcopado
Latino-americano em Medellín, Colômbia, (1968), a nossa Igreja se comprometeu a
se colocar como serviço à causa da libertação integral de toda a humanidade e
de cada pessoa por inteiro (Med 5, 15). Por isso, nossa Igreja desenvolveu
diversos setores de pastoral social, cujo objetivo é servir, de maneira
especial, a todos os empobrecidos do campo e da cidade. Inseridos na medida do
possível, na caminhada dos movimentos sociais, queremos colaborar com a
transformação da sociedade.É com esse horizonte que lhes escrevo. Tendo feito
algumas observações sobre nossa motivação evangélica e espiritual a partir da
qual devemos atuar, sugiro agora algumas considerações sobre o momento atual em
que vivemos eproponho algumas pistas concretas de ação para a nossa participação
nesse processo eleitoral e mesmo depois.
1 – Um olhar rápido sobre a
realidade.
Na análise da conjuntura que a
CNBB ofereceu em seu site no mês de abril passado, se afirmava que, para essas
próximas eleições, se descortinam duas tendências. Uma é dos que querem
garantir a continuidade das conquistas sociais e daquilo que consideram serem
mudanças realizadas pelo governo nessa última década. Outra é a das pessoas e
candidatos que dizem lutar por mudanças profundas do país e do governo. O importante
é discernir se esses políticos que propõem mudanças o fazem a serviço da
melhoria de vida da maioria da população ou sepensam apenas neles e na elite
social a que pertencem.
Em geral, é a população que sofre
no dia a dia as precárias condições dos serviços públicos de saúde, de educação
e do transporte inadequado. Em nossas cidades precisamos de mudanças profundas
na organização e serviços à sociedade. Não podemos nos iludir de que tais
transformações dependam apenas de pessoas a serem eleitas. É a própria
organização social e política do Brasil que está em questão.
2 –Critérios que poderão ser
úteis para participarmos bem dessas próximas eleições:
1o – Como dizia em recente campanha
educativa de várias entidades:“voto não se vende, nem se negocia” ou “voto não
tem preço, tem consequência”. O voto deve ser dado conforme nossa consciência e
não por qualquer outro motivo, como parentesco, apadrinhamento, interesse de
emprego ou qualquer outra razão.
2o - Em um regime de eleições
proporcionais como é o caso atualmente, queiramos ou não, o voto é dado em
primeiro lugar ao partido do candidato e somente vai para o candidato
escolhido, se o partido tiver o necessário quociente eleitoral. Essa é a
legislação em vigor. Assim sendo, mais ainda, é importante que a nossa escolha
seja consciente por concordarmos com o que aquele partido escolhido por nós
propõe como programa para o país.
3o – É comum que as campanhas sejam
feitas na base de promessase propagandas, muitas vezes sedutoras e enganosas.
Devemos sempre analisar o interesse dos meios decomunicação de massa e também a
vida anterior dos candidatos em questão,para discernir se as promessas feitas
agora correspondem ao que ele tem feito e se não se trata de propaganda
enganosa.
4o – Nenhum candidato é perfeito ou
preenche todas as condições desejáveis. Às vezes, o candidato tem propostas que
nos agradam no plano da moral pessoal e institucional. No entanto, está ligado
a interesses dos grandes latifundiários na concentração de terra, na oposição à
Reforma Agrária e à demarcação de terras indígenas. Apresenta-se como cristão
tradicional, mas não tem posição clara em relação à defesa da vida desde sua
concepção até seu fim natural. Para resolver o problema da violência urbana,
propõe a diminuição da idade penal, é a favor da pena de morte e assim por
diante.Temos sempre de julgar no conjunto e não vendo apenas um aspecto.
5o – O cristão vive, pensa e age a partir
de sua fé. A fé o conduz a trabalhar pelo bem comum. Isso requer organização e
participação cidadã. É preciso discernir os partidos e candidatos a partir dos
seus princípios éticos, sociais e religiosos e se estão dispostos a colaborar
para o avanço.
3 – Um olhar para além
das eleições de outubro
Devemos participar de forma justa
e lúcida nessa campanha, assim como participar corretamente dessas próximas
eleições. No entanto, para não sofrermos mais decepções, é importante
relativizar esse processo eleitoral e sabermos como nos conduzirmos para além
desse momento. Atualmente,
a parte mais sadia da sociedade brasileira e dos movimentos sociais têm
consciência de que sem uma profunda Reforma Política não conseguiremos vencer a
corrupção e estabelecer as bases profundas de uma sociedade mais justa e
igualitária. Para isso, a CNBB, OAB e várias outras entidades da sociedade
civil propõem um Projeto de Lei de Iniciativa Popular, visando elementos
necessários para uma reforma política. Os movimentos sociais organizados
preveem para a Semana da Pátria a realização de um Plebiscito Popular no qual o
povo brasileiro será consultado se deseja a criação de uma Assembleia Nacional
Constituinte exclusiva para a Reforma Política e Soberana.
Como cristãos, devemos apoiar e
participar dessas iniciativas que visam a transformação justa da sociedade e da
organização do Estado. Como escreveu São Paulo: “Estejam atentos para a maneira
como vocês vivem. Não sejam ingênuos, mas pessoas sensatas. Aproveitem bem o
tempo, porque esses dias são maus... (Em meio a essa realidade), procurem
compreender a vontade do Senhor” (Ef 5, 15 e 17).
Concluo recomendando a leitura da
carta dos bispos do Brasil, que se encontra no site da CNBB (www.cnbb.org.br),
aprovada na última Assembleia Geral em Aparecida-SP, cujo título é: “PENSANDO O
BRASIL: DESAFIOS DIANTE DAS ELEIÇÕES 2014” (Desafios da realidade
sociopolítica).
Deus os/as abençoe e os/as
ilumine nesse caminho.
Arcebispo de
Olinda e Recife
Recife, 14 de julho
de 2014.